Evolução do Cenário Econômico O mês de março foi marcado pelas crises no sistema financeiro norte-americano e europeu, decorrentes da liquidação do Silicon Valley Bank (SVB) e da incorporação emergencial do Credit Suisse pelo rival UBS. Embora a rápida intervenção das autoridades tenha obtido êxito em conter o contágio sobre o restante do sistema financeiro, é inegável que ambos choques terão consequências duradouras sobre o cenário econômico global.
Em ambos os casos, tanto o Federal Reserve (Fed) quanto o Banco Central Europeu (ECB) procuraram seguir a cartilha do “princípio da separação dos instrumentos”, destinando o combate das pressões inflacionárias à política monetária convencional, enquanto a manutenção da estabilidade financeira recai sobre os mecanismos de provisão de liquidez.
Seguindo essa receita, o Fed não hesitou em colocar em ação seu arsenal de instrumentos emergenciais. Além de promover a garantia da totalidade dos depósitos das instituições liquidadas, introduziu nova linha de liquidez que possibilita aos bancos descontarem suas carteiras de títulos públicos a valor de face, evitando assim o registro dos prejuízos decorrentes da marcação a mercado daqueles papéis. Em contrapartida, a autoridade monetária promoveu nova elevação da taxa de juros em 25 bp na reunião do comitê de política monetária (FOMC) de março e indicou a possibilidade de ajuste adicional em maio.
Essa ação decisiva como emprestador de última instância do sistema financeiro permitiu estancar a corrida aos depósitos de algumas instituições regionais que se formava a partir da crise do SVB. Dados recentes indicam desaceleração substancial do ritmo de perda de depósitos do sistema bancário, além da redução no uso das linhas emergenciais do Fed.
Nosso diagnóstico a respeito desses acontecimentos está centrado na ideia de que os problemas envolvendo o SVB tinham em sua essência um caráter idiossincrático, decorrentes de um volume substancial de perdas com a carteira de títulos públicos não registrada nos livros e uma base de depósitos altamente concentrada – combinação perversa que tornava a instituição altamente vulnerável a corridas como a que se verificou após a instituição ser forçada a reconhecer esses prejuízos. Não há que se falar, portanto, de um problema sistêmico no setor bancário.
Por outro lado, não é possível negar que o pano de fundo desse choque é o aperto monetário em vigor, cuja intensidade e velocidade certamente produzem efeitos colaterais indesejados. Entre eles, o baixo nível da remuneração dos depósitos bancários em comparação às fed funds, que estimula a migração de recursos para os fundos de money market, cujo rendimento é diretamente vinculado àquela taxa. É razoável imaginar que o evento do SVB deverá promover uma intensificação dessa competição de recursos, com efeitos negativos sobre a liquidez e rentabilidade do setor bancário.
E como deve agir o Fed diante desse quadro? Nosso entendimento é que temos aqui um caso concreto no qual, a despeito do “princípio da separação”, os desenvolvimentos financeiros acabam por impactar o domínio da política monetária. Com o crédito possivelmente se tornando mais caro e escasso em função da redução de liquidez disponível ao sistema bancário, este canal se torna substituto, ainda que imperfeito, do instrumento da taxa de juros, colocando um limite para atuação da política monetária convencional.
Dessa forma, os eventos no sistema financeiro desde o início de março deixam o Fed mais próximo do fim do ciclo de aperto de juros – antecipamos uma alta adicional de 25bp na reunião de maio. Entretanto, afora impactos mais severos do que o vislumbrado atualmente sobre a dinâmica do mercado de crédito, o quadro de mercado de trabalho ainda muito aquecido e inflação alta e persistente desautorizam cortes dos juros no horizonte próximo.
A situação é análoga na Zona do Euro. Com núcleo de inflação em patamares muito altos e ainda em ascensão na região, o ECB viu-se forçado a seguir com o ritmo de ajuste de 50bp em março. Entretanto, assim como no caso do Fed, os acontecimentos recentes inevitavelmente trazem impactos materiais sobre a condução futura da política monetária. Assim, antevemos uma desaceleração do ritmo de altas para 25bp na reunião de maio, com um último aperto em junho.
No Brasil, o destaque no mês passado ficou por conta do anúncio do novo arcabouço fiscal. Entendemos que o novo desenho tem o benefício de conter os receios com um quadro de expansão desordenada dos gastos, limitando substancialmente os riscos de cenários extremos. Todavia, os parâmetros para o crescimento das despesas (limitadas entre 0,6% e 2,5% ao ano) irão requerer uma expansão substancial da carga tributária, da ordem de 1,5% do PIB, a fim de garantir a estabilização da trajetória da dívida pública no médio prazo. Permanecem, assim, as incertezas quanto à viabilidade política de aprovação legislativa de uma agenda tributária tão ambiciosa.
No âmbito da política monetária, o Banco Central voltou a dar ênfase ao trabalho de convergência da inflação. Como destaque, o BC refutou temores de um aperto de crédito demasiado, reconhecendo que os desenvolvimentos no mercado brasileiro seguem compatíveis com os efeitos esperados pelo ciclo de alta da Selic. Por fim, enfatizou que não há uma “relação mecânica” entre a política monetária e o novo arcabouço fiscal, esclarecendo que os efeitos deste sobre as decisões de política monetária deverão ser avaliados pelos seus impactos sobre as expectativas de inflação e a taxa de câmbio. Traduzindo para a linguagem comum, não há motivos para BC alterar sua postura de “paciência e perseverança”. De fato, nosso entendimento é de que os núcleos de inflação em níveis muito superiores à meta e a desancoragem das expectativas de inflação inviabilizam um cenário de corte de juros antes de meados do ano.
Estratégia do Fundo No mercado brasileiro, mantemos posições aplicadas na parte curta da curva DI. Embora não seja nosso cenário central, entendemos que os riscos baixistas para atividade econômica e a pressão sobre o banco central favorecem a possibilidade de antecipação do ciclo de corte de juros. Iniciamos também posição comprada na bolsa brasileira em papéis de qualidade, resilientes a um cenário de crescimento estrutural mais baixo, e que podem se beneficiar de um eventual afrouxamento monetário.
No mercado internacional, procuramos posições aplicadas na curva de juros de algumas economias avançadas. Acreditamos que os choques no sistema financeiro observados em março são limitadores para a extensão do ciclo de altas dos juros. Esses eventos têm ainda o potencial de acelerar a transmissão da contração monetária em curso sobre a atividade econômica nos países diretamente afetados. Mantemos também posições vendidas em bolsas internacionais pelo aumento do risco de recessão.
No mercado de câmbio, adicionamos posição tática comprados no dólar contra moedas do G10, em função da expectativa de que o Fed irá perseverar na estratégia de combate à inflação e, portanto, não deverá reverter o aperto monetário no horizonte próximo.