As sucessivas surpresas na inflação corrente, as expectativas inflacionárias já próximas de 4% e o balanço de riscos assimétrico devido às incertezas fiscais sinalizam uma pressão crescente sobre o Banco Central (BC) para uma taxa de juros ainda mais alta. Se o caminho até o campo restritivo já está dado, ainda há dúvidas quanto ao nível da Selic no fim do atual ciclo, mas ganha força a percepção de que a taxa básica caminha para ao menos 8% ao ano.
Em pesquisa realizada pelo Valor ontem após a divulgação do IPCA-15 de agosto, a mediana das projeções de 61 economistas para a Selic no fim deste ano ficou em 7,75%, enquanto o ponto médio das estimativas para o juro básico no fim de 2022 foi de 8%.
“Não temos tido respiro. As expectativas de inflação estão sendo superadas há meses e vemos várias fontes para as pressões inflacionárias. Por enquanto, temos um cenário de muita inflação e alguns modelos sinalizam chance de o IPCA superar os 8% neste ano e os 4% em 2022, o que poderia gerar uma guinada ainda mais forte nos juros”, diz o economista-chefe do Haitong, Marcos Ross.
Ao estimar a Selic neutra em torno de 6,75%, ele afirma acreditar que a taxa deverá encerrar o ciclo em 7,75% ao ano. “É um nível alto de juros. Estamos em um ciclo extremamente agressivo, com a Selic saindo de 2% e indo para perto de 8%”, observa.
Para ele, os mandatos secundários do BC podem pesar a favor de um ciclo que não entre tanto no campo restritivo. “Tanto o hiato do produto quanto o mercado de trabalho estão muito abertos ainda. Entendemos que os juros terão de ir para 7,75% para haver uma convergência parcial da inflação para algo um pouco acima da meta”, diz Ross. O Haitong espera que o IPCA termine o próximo ano em 4%.
Na pesquisa do Valor, também foram questionadas as projeções de inflação dos agentes do mercado tanto para este ano quanto para 2022. Muitos profissionais, porém, destacaram a incerteza crescente diante da crise hídrica, que pode pressionar as estimativas para o IPCA de 2021, em especial. Assim, muitas casas têm viés de alta em suas projeções. Cabe destacar, ainda, que diversas instituições já projetam a inflação em torno de 8% no fim deste ano.
Para 2022, o principal ano no horizonte relevante da política monetária, a mediana das projeções coletadas aponta para o IPCA em 3,99%. No entanto, algumas instituições estimam a inflação em níveis bem mais altos - caso da Pezco, cuja projeção aponta para 4,70% no fim do ano que vem.
“Tivemos uma frustração na expectativa de fortalecimento do real. De junho para cá, o dólar se estabilizou entre R$ 5,20 e R$ 5,30 e existem elementos que ganharam mais relevância no curto prazo e que dão força à expectativa de que talvez não aconteça uma apreciação do real com tanta facilidade”, afirma Helcio Takeda, economista da consultoria, para quem um ambiente externo mais desafiador deve manter o câmbio e os IGPs pressionados.
Assim, a Pezco acredita que, em um ambiente de inércia inflacionária elevada para 2022, há risco de a desaceleração das pressões inflacionárias demorar um pouco mais do que o esperado pelo mercado no momento. “Poderia acontecer ao longo do primeiro semestre, mas esse movimento pode ser empurrado para o segundo semestre de 2022”, diz Takeda.
O economista avalia que o Banco Central pode ter que elevar os juros para níveis mais altos do que espera hoje. “Trabalhamos com a hipótese de que as regras fiscais serão respeitadas, mas, mesmo nesse ambiente, se pensarmos no ajuste do Bolsa Família, haverá, inevitavelmente, uma pressão de demanda. Junto a isso, existe uma poupança precaucional que ainda não foi direcionada para bens e serviços. Uma Selic maior pode ser necessária para conter essa demanda que deve aparecer”, afirma Takeda, que vê a Selic em 9,5% em 2022.
De acordo com Mauricio Une, economista-chefe do Rabobank no Brasil, a questão dos precatórios não estava na conta e “isso tem feito com que o câmbio fique mais volátil”. Assim, ele diz que o movimento deve ter impacto na inflação do período, mesmo que a projeção para o dólar se mantenha em R$ 5,15 no fim do ano. “Com essas questões trazendo viés de alta para a perspectiva de inflação deste ano, pode haver uma inércia maior para o ano que vem também”, diz, o que pode levar ainda mais para cima a projeção para a Selic.
No momento, o Rabobank espera que o IPCA termine 2021 em 7,1% e que a Selic encerre o atual ciclo em 7,5%. Une, porém, ressalta que as projeções da casa estão sob revisão para contemplar mudanças nas premissas de cenário. Além das bandeiras tarifárias nos preços de energia elétrica, os números também devem contemplar a trajetória mais volátil do câmbio e alguma eventual mudança na trajetória da política monetária nos Estados Unidos.
A Franklin Templeton tem um dos cenários mais extremos da pesquisa. Em sua avaliação, os preços administrados devem seguir pressionados devido à crise hídrica, o que levaria o IPCA a terminar 2022 em 5% e forçaria o BC a elevar a Selic para 8,5% já no fim deste ano.
“Parece claro que a alta dos preços de energia elétrica não é transitória, mas tem alguma persistência, que já dá seus sinais”, afirma o diretor de investimentos de renda fixa e multimercados da Franklin, Renato Pascon, em referência à notícia de que o presidente Jair Bolsonaro editou decreto que obriga o racionamento de energia em órgãos públicos.
Nesse sentido, Pascon diz que a inflação deve desacelerar - a instituição prevê IPCA de 8% neste ano -, mas não caminhará rapidamente para o centro da meta. “Os preços administrados me preocupam bastante e também tem a performance das commodities. Não devemos esperar que esses preços caiam, mas que, no melhor dos mundos, subam com uma intensidade menor do que têm mostrado”, aponta.