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MAR 21
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Restrições devem ter impacto limitado sobre inflação neste ano

Projeções para o IPCA deste ano segue em aceleração, mesmo com recrudescimento da pandemia

Por Anaïs Fernandes e Victor Rezende

Passado um ano do início da pandemia no Brasil, o país se vê, de novo, às voltas com restrições duras de mobilidade e expectativas de atividade fraca no primeiro e no segundo trimestre, fatores que contribuíram para preços, em geral, controlados no primeiro semestre de 2020. Apesar das semelhanças, economistas alertam que o isolamento social de 2021 deve ter um caráter muito menos benigno para a inflação do que no ano passado, diante da alta de preços das commodities e gargalos na indústria.

É uma leitura reforçada pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem (leia mais na pág. C1). Para o comitê, a retomada econômica surpreendeu no início de 2021, mas os dados ainda não contemplam os possíveis efeitos do recente aumento nos números da covid-19 no país. Mesmo assim, os membros avaliaram que “uma possível reversão econômica devido ao agravamento da pandemia seria bem menos profunda do que a observada no ano passado”.

Em meio ao choque da crise sanitária na atividade, a estimativa mediana do Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2021 chegou a ficar em 3% durante boa parte do ano passado, abaixo, portanto da meta de 3,75% deste ano. No início de 2021, as projeções ainda rondavam 3,3%, mas, em menos de três meses, saltaram para 4,71%, enquanto previsões para 2022 estão em 3,51%, praticamente em linha com a meta de 3,5%.

Embora os efeitos da pandemia tenham sido deflacionários em um primeiro momento em 2020, é possível que a segunda onda da covid-19 seja inflacionária ou, no mínimo, “muito menos desinflacionária que a primeira”, afirma o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski. Recentemente, o banco britânico elevou a estimativa para o IPCA no fim de 2021 de 4,5% para 5% e passou a esperar que a inflação encerre 2022 em 3,7%. “A falta de sincronia global nesta etapa da pandemia gera desafios maiores do que os de um ano atrás, quando o ciclo era similar entre os países”, diz Secemski.

Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, lembra que contribuições baixistas para a inflação vieram do exterior naquele momento, quando havia dúvidas sobre a atividade global, commodities em queda e até o petróleo registrou inédito valor negativo. Hoje, porém, o Brasil parece viver um momento mais particular, observa. “A impressão é que os caminhos de transmissão da inflação estão em um momento mais complicado”, diz ele, projetando alta de 5% no IPCA de 2021 e de 4% em 2022.

De acordo com Secemski, a recuperação econômica da China e dos Estados Unidos tem colocado pressão nos preços de commodities, inclusive de energia, “ao passo que os riscos fiscais aos quais o Brasil está exposto intensificaram a fraqueza do real nos últimos dois meses”. Para o economista, no momento em que a dinâmica da pandemia tem piorado no Brasil e suscitado o risco de maior descontrole das contas públicas, “a piora do câmbio continua se materializando nos IPAs [índices de preços aos produtores], a despeito do hiato do produto ainda estar aberto”. Além disso, a alta em alguns itens sujeitos à inflação passada, bem como medidas de núcleo, sugerem que a inércia inflacionária “está se infiltrando apesar da pandemia”.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, reconhece que o cenário para inflação está “complexo”. Ela, contudo, avalia que a pressão se dá mais por choques temporários de oferta. Com a segunda onda da covid-19, a concomitância de dois fatores - desinflacionário nos serviços e inflacionário na indústria - deve continuar, “mas a indústria está perdendo um pouco de gás”, diz Rafaela. Além disso, o gasto público menor deste ano, com um auxílio emergencial mais enxuto, deve ajudar a conter uma inflação de demanda, segundo a economista, que projeta um IPCA de 4,9% em 2021, convergindo em 2022 para 3,5%.

A questão fundamental para a dinâmica da inflação é entender a extensão da pandemia, diz o economista-chefe do Opportunity, Marcelo Fonseca. Para ele, inclusive, o efeito que as medidas de restrição podem ter sobre o setor de serviços “pode ser atropelado pelos efeitos da abertura e da resposta de política econômica diante da piora atual da pandemia”.

Não por acaso, o Opportunity projeta que o IPCA terminará este ano ao redor do teto da banda da meta de inflação, entre 5,2% e 5,3%. “Temos vetores em sentido oposto. O fechamento, no curto prazo, segura o componente de serviços, mas, a médio prazo, deve haver pressões de demanda, como é possível enxergar em países que já estão avançados na vacinação”, diz.

O economista lembra, ainda, que não há uma normalização nas cadeias de suprimento, o que pode deixar a inflação um pouco mais pressionada no curto prazo. Para 2022, porém, ele já acredita em uma normalização, tendo em vista uma situação global mais favorável e o progresso em torno da vacinação, mesmo no Brasil.


Reprodução da matéria publicada no “Valor Econômico”, 24/03/2021.