A piora dos mercados financeiros que se viu nesta manhã pode ser explicada por uma frase: o risco fiscal voltou. O “meteoro” dos precatórioscomprometeu de vez a visão mais otimista dos investidores proporcionada pela perspectiva de que haveria alguma folga no teto fiscal no próximo ano. Em resposta, o dólar foi para cima dos R$ 5,27 no pior momento do dia, enquanto os juros futuros dispararam.
Esse movimento reflete, segundo analistas ouvidos pelo Valor, a reversão da melhora de humor que se viu nos mercados desde que ficou claro que, em grande medida por causa da inflação, haveria uma folga para gastos adicionais — inclusive para um Bolsa Família turbinado — em 2022, ano eleitoral.
Mas, embora tenha sido bem intenso no começo do dia, esse aumento de prêmio não contempla ainda o risco de calote — o que, para alguns especialistas, estaria configurado caso seja feita a opção pelo rescalonamento do pagamento dos R$ 40 bilhões em precatórios que não haviam sido contabilizados. E nem mesmo o risco de o governo aproveitar essa discussão para promover um aumento do Bolsa Família para R$ 400.
“Acredito que, a esses preços, o mercado apenas fez um freio de arrumação, não está considerando nenhum cenário de ruptura”, define o gestor de um grande fundo paulista. O encaminhamento que a questão deve ter nos próximos dias é que vai definir, portanto, se haverá ou não uma piora na leitura e, portanto, nos preços dos ativos. “O mercado vai ficar de olho no que a Economia vai fazer”, diz o economista-chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks.
O economista lembra que, nas últimas semanas, o mercado já vinha mostrando preocupação com a alta das projeções para a inflação no fim deste ano e seu impacto sobre o fiscal. “O espaço no teto do próximo ano, que chegamos a estimar ser entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões, caiu para perto de R$ 20 bilhões”, afirma. Isso ocorreria porque a inflação mais alta no acumulado no ano corrigiria para cima o volume de gastos do governo.
A notícia sobre os precatórios não só come esse espaço como cria um rombo. E, para Weeks, qualquer decisão a ser tomada traz problemas. De um lado, reescalonar esse pagamento é apontado por alguns especialistas como uma espécie de calote — já que a lei define que esses compromissos do governodevem ser quitados no ano corrente.
Outra alternativa seria acomodar essas despesas num fundo, como propõe o Ministério da Economia, com a prerrogativa de retirá-lo do teto. “Isso abriria uma precedente ruim para o teto”, diz.
Mas o pior cenário seria o que parece estar sendo articulado pelo centrão. A possibilidade de se reescalonar um volume ainda maior de pagamento de precatórios de forma a acomodar o aumento do Bolsa Família para a casa dosR$ 400 seria a pior solução, dizem os especialistas.
“O que assusta é a impressão de que trata-se de casuísmo eleitoral”, define o gestor de outro fundo de São Paulo, também sob condição de anonimato. “O mercado ficou com impressão ruim de que está sendo feita uma pedalada. De que o governo pode aproveitar o meteoro para fazer cometa Halley.”
Para esse interlocutor, a possibilidade de se fazer o reescalonamento de precatório não é, em si, uma medida negativa. Mas precisaria ser discutida com transparência e sem a pressão que está colocada para acomodação de gastos.
“A leitura que o mercado faz é a de que pode até ter algum mérito o reescalonamento de precatório. Isso já acontece em nível estadual, com respaldo da União”, explica. A questão é o uso desse instrumento para acomodar os interesses políticos.
“O centrão mostrou que não está para brincadeira. E discutir essa questão num momento em que o presidente [Jair] Bolsonaro está com a popularidade baixa pode ser uma combinação explosiva”.
Para Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total Master, o mercado está, de fato, elevando nos preços o prêmio relativo à insegurança fiscal e também jurídica. Isso por causa do debate sobre o reescalonamento dos precatórios que, inevitavelmente, afeta a credibilidade do governo.
“Algo que deveria ser pago imediatamente será parcelado em anos”, lembra. Mas a grande questão é a ameaça ao teto de gastos com a discussão sobre o aumento do Bolsa Família que está por vir. “O mercado está reprecificando o risco fiscal, mas não se trata de risco de solvência”, explica.
Para ele diz que, neste momento, câmbio e bolsa têm maior potencial de perdas, porque vêm de um período mais otimista. No caso do dólar,investidores vinham operando sob a perspectiva de valorização do real a partir da alta adicional da taxa Selic pelo Banco Central. Hoje, o consenso de mercado é de que o juro deve subir um ponto percentual na reunião desta quarta-feira.